quarta-feira, 7 de setembro de 2016

“O rap influenciou toda música jovem moçambicana”




Kloro não duvida: o rap influenciou a música moçambicana. No entanto, muitos ainda não se deram conta disso. Além de falar de música, nesta entrevista, o rapper critica e reflecte sobre o país enquanto espaço carente de mudanças



É um dos nomes a considerar quando se fala de rap no país. Como pensa Moçambique a partir deste estilo musical?

Penso que Moçambique é um país ainda em construção e que todos os membros da sociedade (políticos, estudantes, formadores de opinião, desportistas e artistas) devem dar alguma coisa. Como rapper, sinto que tenho uma responsabilidade directa neste projecto de construção. É verdade que Moçambique é um país jovem, com 40 anos de independência, mas também é verdade que Alemanha, por exemplo, em 20 anos, depois de sair da 2ª Guerra Mundial, conseguiu se impor no mundo. Então, devemos investir em discursos simples e produzir mais. Assim iremos longe.



Na sua opinião, quais são as potencialidades do rap na consciencialização dos cidadãos?

O rap tem a capacidade de estimular a escrita porque é um estilo que obriga o praticante a usar muitas palavras. Por isso, quem faz e escuta rap acaba ficando com uma vantagem em termos de consciência em relação aos outros estilos. E o rap é estilo aberto em termos temáticos, dando possibilidade para se falar de política ou de amor. Há estilos que não possuem a mesma abertura, por exemplo, a quizomba esgota-se sobretudo em assuntos relacionados com o amor. O rap é transcendente e, por essa via, torna os cidadãos muito mais cultos e com responsabilidade de contribuir na socialização. Se formos a reparar, nos últimos 15 anos o rap foi o estilo de música que mais influenciou: em termos de moda, expressão, conceitos de label e business. Todas as pessoas que estão a frente de grandes projectos musicais partiram do rap. O rap influenciou toda música jovem moçambicana. Os Bang, Ardiles, Zico, todos têm uma essência de rap. Este estilo lançou muitas sementes e nos próximos cinco anos vamos ver muitas mentes brilhantes.



E julga que os nossos rappers estão conscientes da responsabilidade que têm?

Infelizmente, a maioria não. Mas esse não é um problema do rap, é de educação e dos vários problemas que o país tem. Todos os estilos de música moçambicana têm uma capacidade de escrita muito fraca, ainda que tenhamos cantores muito interessantes. Infelizmente, a nossa educação não nos ensina a pensar, está mais preocupada em nos ensinar a reproduzir, ou seja, coloca-nos a estudar para decorar, reproduzir e passar de classe. E os formadores de opinião das tv, os jornalistas, só reproduzem expressões. Hoje em dia promove-se muita mediocridade e isso não só atinge os rappers como moçambicanos de todas as esferas, por temos um problema de base.



Muitas vezes o rap vende querelas. Por isso, temos várias mensagens vaidosas nas letras dos rappers. No seu caso, o que motiva?

É uma forma de expressarmos o que nos vai à alma. Quando o rapper transmite uma mensagem de confronto, na verdade, é para chamar atenção das pessoas. No fundo o que se pretende é despertar os cidadãos para o que fere a sociedade.



Entretanto, na música “Killa” temos-lhe a mandar pastar a sociedade. Há alguma motivação?

Sim. A nossa sociedade foca-se muito na futilidade. As pessoas discutem vidas, quando temos coisas mais importantes por tratar. Temos que criar plataformas para que as pessoas que discutem ideias tenham mais espaço para se expressar. Ao mandar pastar a sociedade, na verdade, quero é que as pessoas tentem entender o que vai à minha alma de artista. É um grito de revolta.



É um rapper muito comprometido com a troça em harmonia com a ironia. Atrai-lhe essa vontade de retirar dos que lhe ouvem alguns sorrisos?

Atrai-me, sim, porque a música é uma forma alegre de transmitir qualquer tipo de mensagens. E invisto nisso porque também é um modo de despertar interesse, para as pessoas perceberem que o rap é muito mais do que falar rápido.



 “No armazém da vida não se sabe o que o futuro nos guarda”. Estes versos são seus. Mesmo sem essa sabedoria, que futuro se espera para o nosso país?

Sou a pessoa mais errada para responder à essa pergunta… mas acredito muito na mudança e de que as coisas irão mudar. Só precisamos de fazer com que as pessoas pensem mais para termos mais figuras como Mia Couto ou Paulina Chiziane. É verdade que os políticos nunca vão investir nisso, mas acredito no meu país.

O amadurecimento do rapper torna-lhe um sujeito eclético. É o seu caso, agora que se juntou à banda Gran’Mah?

Sim. Inclusive tenho dito que já não sou rapper, sou músico. Porquê não investir em actuação ao vivo? E Gran’Mah é uma banda de que sou fã. Já conhecia o Luy da escola primária e sempre pensei que no dia que seguisse carreira a solo iria trabalhar com eles. E este projecto vai se chamar Xigumandzene, filho mais novo, com o propósito de cruzar diferentes elementos. O show será a 16 deste mês, dia do meu aniversário, no Gil Vicente.



Se pudesse, através da música, o que acrescentaria ao país?

O espírito de investigação, em todas áreas, e a capacidade de assumirmos que não estamos bem.



Sugestões artísticas para os leitores do jornal O País?

Sugiro o disco “8 ou 80”, de Teknik, e o livro “Como fazer amigos e influenciar pessoas”, de Dale Carnegie.



Perfil

Kloro ou Danilo Josué Malele nasceu a 16 de Setembro de 1981, em Maputo. É rapper e fez parte do grupo Trio Fam. É proprietário do estúdio de música IBS e tem levado acabo debates sobre artes e cultura no espaço Ideário. Actualmente, segue a carreira a solo.

fonte: O Paisonline


EmoticonEmoticon

Temperatura